CRONICA de Paulo do Carmo Martins – Economista, doutor em Еconomia Aplicada pela Esalq/
USP, professor da Escola de Negócios (FACC/UFJF)
No último dia de agosto estive em Bom Despacho (MG), na Fazenda São Pedro, para a inauguração de uma moderna estrutura de ordenha de leite. O proprietário, Jacques Gontijo, deu àquele espaço o nome de Alysson Paolinelli, seu dileto amigo. Lá esteve a Marisa, esposa de Paolinelli, que fez um belo discurso denso e emotivo.
Paolinelli foi a pessoa mais jovem que eu conheci. Sempre energizado, animado, querendo transformar para melhor a realidade em que vivia. Sempre com uma insatisfação otimista! Há aqueles que falam de si. Há aqueles que falam mal de pessoas. Paolinelli só falava de ideias! E nos mostrava sempre o que não viamos.
Conheci Jacques Gontijo cinco anos antes de conhecer Paolinelli, em 1987. Jacques, representante da CNA, o professor
Sebastião Teixeira Gomes e eu recebemos a missão de fazer uma planilha de custos para ser critério de reajuste de preço do leite pago ao produtor, que era tabelado. Foi a partir dessa planilha que o leite entrou na órbita das políticas públicas. Quem a oficializou foi o então ministro Antônio Cabreira.
Jacques Gontijo também deu outras contribuições silenciosas. Esta renúncia fiscal do Pis/Cofins, que hoje viabiliza o custeio da assistência técnica dos laticínios, foi ele quem idealizou. Uma ideia que, felizmente, encontrou eco no Governo e no setor privado. A Embrapa Gado de Leite foi importante para dar sustentação à ideia. Também o mesmo ocorreu com o Inovagro um tipo de financiamento especial nas taxas e no período de carência, que o Governo disponibiliza para quem deseja fazer investimentos
em projetos inovadores.
Quando
Jacques foi presidente da Itambé eu tive o privilégio de ser convidado a participar de sua gestão”
Jacques Gontijo tem a convicção da importância da representação de classe com a visão propositiva para o setor, o que faz toda a diferença. Quem está no Governo necessita receber sugestões. Diagnósticos e reclamações vindas do setor produtivo são de pouco valor. A criação das cooperativas de crédito em Minas Gerais também foi iniciativa arrojada, que o aproximou do Roberto Rodrigues, outro notabilíssimo a quem o Brasil muito deve.
Durante muitos anos Jacques foi diretor comercial da Cooperativa Itambé. E, nessa condição, promoveu uma revolução, quando contratou o Vicente Falconi, o consultor mais renomado do Brasil. Seu objetivo era modernizar a Cooperativa, implantando as principais modernas práticas de gestão, tornando-a uma empresa competitiva com as multinacionais do setor lácteo.
Quando Jacques foi presidente da Itambé eu tive o privilégio de ser convidado a participar de sua gestão.
Eu havia terminado um mandato de Chefe-geral da Embrapa Gado de Leite e decidi suspender meu contrato com a Embrapa para viver essa experiência, que se transformou num pós-doutorado aplicado. Durante três anos, aprendi muito de gestão com ele.
O primeiro impacto foi descobrir uma Itambé totalmente digital já em 2008. Se a sede pegasse fogo e todos os arquivos fossem destruídos, a Itambé voltaria a operar três horas depois, já que havia um espelho da empresa preparado para o pior cenário, em outro local. Hoje a maioria das empresas não resistem a sequer um ataque de hacker, muito menos um incêndio, pois nem tudo está nas nuvens.
Ele me deu a missão de entender qual o motivo de um projeto corporativo, estimulando a irrigação de pastagens dos coope-rados, não ter decolado. Não foi dificil descobrir. E, como eu tinha vindo do mundo acadêmico, preparei um relatório substancial e detalhado, de cerca de quarenta páginas. Ele me pediu para reduzir em duas páginas. Achei estranho e retornei com dez. Ele leu as duas últimas apenas. Esta foi uma lição que levei para o restante da minha vida de gestor. Tudo cabe em no máximo duas páginas!
Em 2016, eu ocupava novamente o cargo de Chefe-geral da Embrapa Gado de Leite e criamos o Ideas For Milk, uma estratégia de levar jovens a criar soluções inovadoras para o setor lácteo. Pois, o Jacques, agora como produtor de leite, abraçou essa causa. Ele se tornou um avaliador de startups. Ao participar da escolha das melhores ideias em 2017, reclamou da ausência de um jovem, que propunha energia solar para compost bar. Respondi que os demais avaliadores não o classificaram.
Pois Jacques procurou o jovem, se associou a ele e, como engenheiro que é, aperfeiçoou a ideia. Durante a greve de caminhoneiros em 2018, Alysson Paolinelli e ele inauguraram na Fazenda São Pedro o primeiro compost bar movido a energia solar do Brasil, talvez do mundo.
Jacques Gontijo deixou a Cooperativa Itambé como modelo de empresa bem gerida, padrão internacional. Tomava decisões guiadas por planejamento, ciência e benchmarking. E conduzia tudo de maneira simples e objetiva, buscando inovar. Paolinelli ficou conhecido como o criador da agricultura tropical. Um revolucionário, que sempre acreditou que “ciência e inovação são as chaves para uma agropecuária competitiva e sustentável. Jacques Gontijo, seu dileto amigo, continua a se inspirar nele, para continuar transformando a realidade do mundo do leite, seguindo a cartilha de seu inspirador.
Por BALDE BRANCO • SETEMBRO 2024