Paulo do Carmo Martins*
Ontem e anteontem eu e pouco mais de 400 jovens de todas as idades, deixamos o presente e aceitamos viver uma experiência inédita: fomos visitar o futuro. Ou melhor, alguns futuros prováveis!
Laura Gastaldi, Torsten Hemme, Valter Galan e Rafael Junqueira, nos receberam na primeira estação do futuro. Eles disseram que o mundo do leite brasileiro mudou. Lá no futuro tem menos empresas, menos produtores, mais produção. Mudou por meio de duas palavrinhas: eficiência e produtividade. Temos maior produção por hectare, mão-de-obra e vaca. E, mais que isso, somos mais competitivos também pela forma como soubemos nos colocar diante dos desafios ambientais, sociais e de governança.
E como conseguimos chegar a este novo patamar? As respostas estavam nos futuros prováveis, que iríamos visitar em cada estação da viagem…
N estação seguinte, visitamos a vaca do futuro. Francisco Rodriguez trouxe a visão da vaca tropical, evoluída em relação à que existe hoje, porque selecionada geneticamente para impactar muito menos o meio-ambiente. Rogério Carvalho Souza, mostrou como mexer no segundo cérebro da vaca – o rúmen, para que o impacto ambiental seja menor e sua produtividade maior. E como os sensores cada vez mais ajudarão a entender o comportamento e as reações deste ser complexo e inteligente que tanto amamos.
O nosso querido brasileiro, que nasceu e vive na Argentina, Cristian Chiavassa, nos educou para conversar com o Chatgpt e as IA, para que elas nos respondam realmente o que queremos saber. E colocou em cheque a forma atual de aprender. Afinal, precisamos saber um pouco sobre muito, como fazemos hoje, ou devemos ir descobrindo o necessário, na medida em que precisamos do conhecimento?
Na estação seguinte, paramos para conhecer a fazenda do futuro. Marcos Epp mostrou que investir esforços em busca de eficiência e produtividade traz retornos. Mostrou resultados que a turma da Faria Lima precisa conhecer. E José Garcia Pretto nos mostrou que a ordenhadeira passou a ser um ente que pensa e sente. E que interage com a vaca, com o leite e com o produtor.
Maria Antonieta Guazelli e Ad van Velde, híbridos de produtores e líderes setoriais do futuro, nos mostraram que tudo aquilo que tínhamos visto sobre a vaca e a fazenda do futuro, era verdade. Mas, era a materialização do que havia ocorrido antes, fora da porteira. O produtor do futuro olha para o seu negócio, mas interage com outros produtores a todo momento, buscando interferir na formulação de políticas públicas, na criação de leis e nas regras vigentes no mercado. Se organiza em suas instituições de representação. Afinal, o leite do futuro continuou sendo assunto de Estado! E, para atuar, é preciso interação e atuação conjunta na sociedade. No futuro, uma andorinha continuou não fazendo verão… Lembrei-me desse ditado antigo e ainda atual no futuro.
Na estação seguinte, Diana Jank encontrou um jeito de entendermos como fácil o difícil que ela nos falava. Fez como nossas mamães e vovós. Contou historinhas simples, encantadoras, e foi nos conduzindo, como uma guia futurista, para diversos lugares do mundo do futuro, com paisagens lindas, e com vacas e pessoas felizes. E, tudo natural, embalado em marcas.
Sim! As marcas do futuro não são mais produtos a serem comprados. São entes que tem identidade! Cada uma com sua trajetória, com sua história de vida, com sua personalidade, com seu propósito. Não são para serem consumidas. São para criar interação emotiva. Afinal, os jovens Titãs já cantavam, há quarena anos: a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte…A gente quer a vida…
Saímos dali e nos levaram para uma sala de cinema. Opa! A viagem no tempo tem o momento diversão no cinema?
Fomos visitar um mundo sem vacas. Um mundo imaginário, não natural. Um mundo impossível. Afinal, o iluminado Noé viu virtudes nelas e as colocou em sua Arca, ante ao dilúvio que estava para acontecer.
E, como a Diana, o filme veio contando historinhas. Muitas. E com visões diferentes sobre esse ser, que é mais parecido conosco do que imaginamos. Que é sociável, que elege líderes entre si, que é sensível e de humor, que têm linguagem oral e corporal próprios, que busca sentido no que faz e por isso reage, que sente amor e ódio, que busca prazer, que pensa, pensa, pensa. E que demora nove meses para se formar no ventre da mãe. Um ser complexo e que gera um produto complexo, sinônimo de vida. Afinal, leite é vida em essência!
O filme nos mostrou o valor fundamental da vaca para a vida humana, em tribos ultra primitivas, que vivem hoje como há 4 mil anos. Visitamos o passado remoto e o presente, em diferentes regiões do planeta, entendendo o que é esse ser em cada tempo e lugar. E conhecemos a legítima visão vegana. Sem filtros, sem rancores. Dos jovens, que cresceram usando fraldas descartáveis e não recicláveis. E que são honestos e verdadeiros, naquilo que acreditam, porque baseiam-se nas historinhas que ouvem.
O filme também nos mostrou ciência. E aprendemos a fazer contas. Afinal, vaca realmente é um animal de baixa conversão alimentar? Aprendi que não…Saí de lá convencido. O mundo precisa mais de vacas que de humanos. Melhor, então, que estejamos juntos.
Do lado de fora da sala de cinema, além da Diana, nos esperavam Michelle Michael e Brandon Whitworth, que produziram o filme. Uma raridade, poder ouvir os criadores falarem da criatura. Fizeram uma criatura para quem não conhece vaca. Afinal, felizmente elas não estão em zoológicos nem em safaris…Então, quem é urbano não sabe o que é vaca. E com eles, também estava a nos receber, Bruno Girão o executivo do setor lácteo que mais busca conhecer experiências novas em outros mundos terrenos.
Ainda me lembro quando, em 2016, no Interleite, foi lançado o Ideas For Milk. Um silêncio geral. Senti insegurança plena. Percebi que eu não me havia comunicado. Ninguém havia entendido o que falei. Eis que Bruno, da plateia, pede um microfone que não estava disponível, para dizer da importância do que estava começando naquele momento. Bruno foi o primeiro executivo do setor a manifestar que entendia o que viria com o Ideas For Milk… E ontem, ele contou a todos nós passageiros, as restrições que os veganos apresentaram ao IFC, buscando inviabilizá-los como sócios. Sem mágoa, sem rancor. Com reflexões.
A estação seguinte foi a das soluções possíveis para as dores atuais. A primeira dor, a da gestão, foi tratada por Alexandre Pedroso. Como transformar a infinidade de dados que as fazendas estão gerando, em valor para a tomada de decisões? A segunda dor foi tratada por Martha Baker e Laurent Micol e tratou do mercado de carbono. O que é preciso para chegarmos no Leite net zero e como assegurar inserção neste mercado em que é possível obter novas receitas por serviços ambientais?
A terceira dor foi sobre a organização das relações entre os agentes, na nossa frágil cadeia produtiva, tratada pelo Marcelo Carvalho. E a quarta dor, a do capital escasso e caro. Numa atividade cada vez mais intensiva em capital, como romper este imenso obstáculo. Este assunto foi tratado pelo lendário Jacques Gontijo e pelo Henrique Americano. E para mostrar que todas estas dores têm remédios, veio o Diogo Vriesman, produtor do futuro, contar sua história de vida vivida, com aquela simplicidade que só os sábios têm.
Durante esta viagem no tempo, tivemos duas companhias inspiradoras. Uma, foi a Tamara Klink. Eu não a conhecia e já fiquei super amiguinho dela. Quero saber tudo sobre o que pensa e faz. Eu, que me considerava especialista em Estratégia, sou agora seu seguidor. A outra companhia foi a do Miguel Cavalcanti, que falou de gente, gente, gente. Conheci um novo Miguel nesta viagem. Em tempo de economia circular, conheci um Miguel reciclado, regenerado, um Miguel do futuro. Quero me regenerar também, Miguel! Quero estar com você no futuro!
Ao longo dos meus quase 63 anos, vivi somente três situações em que visitei lugares que me fizeram querer não voltar pra casa: Bonito (MS), Barcelona e…a viagem futurista do Milk Pro. Saí de lá altamente impactado e decidido a fazer neste texto uma crônica. Não consegui plenamente. Ficou um diário de bordo. Sem contar as conversas nos intervalos com os passageiros, entre uma estação e outra. Aprendizagem em cada conversa. Falei pouco para aprender muito. E ainda não sei bem o que aprendi.
Mas, me marcou uma frase arrebatadora da jovem madura Diana, que nos deixou a pensar que a virtude nunca está nos extremos. Para ela, “se pensarmos apenas em mercado de nicho, orgânico, regenerativo e com alto valor agregado, a gente não alimenta o mundo. Mas se pensarmos apenas em eficiência, a gente não alimenta a alma.”
Parabéns Marcelo, pela coragem de ser disruptivo. Parabéns a este time super jovem e competente do Milkpoint. Parabéns às empresas que tiveram a coragem de se arriscarem num projeto único: Alltech, De Laval, MSD, Alvoar, Italac, Lactalis, Piracanjuba, Porto Alegre e Verde Campo. Parabens à Frisia, à Abraleite, ao Sindilat/RS e ao Sindileite/ São Paulo.
Agora que conhecemos os futuros prováveis, cada um dos viajantes está comprometido em contribuir para sua construção, com as lições que trouxemos da viagem. O tempo dirá quanto seremos bem sucedidos.
Mas, antes do futuro pleno, quero voltar lá na próxima viagem. Estou cheio de dúvidas. Já tem data marcada?
Paulo do Carmo Martins é economista, pesquisador da Embrapa. Seu lema de vida é: *IF you don’t go, you don´t know (Se você não vai, você não aprende)
