Estadão: É falso que consumir leite de vaca cause câncer

Em trecho de podcast que circula nas redes sociais, médico espalha informações erradas sobre a bebida, como a que o leite de caixinha contém conservantes e que sua ingestão provoca processos inflamatórios

O que estão compartilhando: vídeo de um médico alertando que o consumo de leite de vaca pode causar câncer, que a bebida é inflamatória e que o leite de caixinha tem conservantes.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. De acordo com fontes consultadas pelo Estadão Verifica, não há evidências da relação entre o consumo de leite e o desenvolvimento de câncer. A bebida não é inflamatória para o público em geral. Ela pode estar associada a processos inflamatórios caso seja consumida por pessoas diagnosticadas com Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV) e por intolerantes à lactose. O uso de conservantes na produção do leite de caixinha é proibido por lei. Sua durabilidade é maior do que a do leite cru e a do leite pasteurizado porque ele é submetido a altas temperaturas para a eliminação de microorganismos e é envasado em embalagem asséptica.

 Foto: Reprodução

Saiba mais: Um trecho da participação de um médico em um podcast no qual ele fala sobre supostos malefícios do leite de vaca tem circulado nas redes sociais.

Ele diz que ao ingerir a bebida “você está acelerando o crescimento das suas células, que pode inclusive acelerar o crescimento de um tumor. O leite é inflamatório”. Mais adiante, afirma que o leite de caixinha é cheio de produtos químicos, conservantes, corantes e que nem bactérias sobrevivem ali dentro.

Leite causa câncer?

A Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) – entidade que representa médicos especialistas em diagnóstico e tratamento de câncer – nega que isso seja verdade. “Não há evidências científicas que mostrem risco aumentado de câncer por ingestão de leite bovino”, afirma a nota enviada ao Verifica.

A Associação Brasileira dos Produtores de Leite (ABRALEITE) repudiou as afirmações do médico. “São informações sem qualquer evidência científica. Não tem qualquer fundamento, ainda que empírico”, comunica a nota. A entidade acrescenta que o leite contém substâncias que têm se mostrado benéficas para casos de câncer.

O documento “Consenso da Associação Brasileira de Nutrologia e da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição sobre o consumo de leite de vaca pelo ser humano”, publicado em setembro de 2023, aponta uma relação positiva entre consumo de leite e câncer colo-retal: “Associações benéficas foram encontradas para doença cardiovascular, acidente vascular cerebral, hipertensão, câncer colo-retal, síndrome metabólica, obesidade, osteoporose, DM2, Alzheimer, e os autores afirmaram que os resultados apoiam o consumo de leite como parte de uma dieta saudável”, informa o documento, na página 7.

A nutricionista e colaboradora do Conselho Regional de Nutrição da 3ª Região (CRN3) Priscila Moreira também nega que o leite cause câncer. Na avaliação dela, o alerta com relação à bebida seria nos casos de excesso de gordura de origem animal. “Aí sim teríamos o risco aumentado para desenvolver um infarto, um derrame ou um AVC [Acidente Vascular Cerebral]. Fora isso, nós não temos nenhuma alegação científica pautada em consensos ou diretrizes que possa dizer que realmente o leite faz mal”, afirma ela.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável por autorizar o uso de aditivos em alimentos consumidos pela população, disse que, até o momento, não foram identificadas evidências que relacionem o consumo de leite com o desenvolvimento de câncer.

Leite é inflamatório?

Um dos argumentos do autor do vídeo para desaconselhar o consumo de leite é o de que a bebida seria inflamatória.

“A gente tem documentos sérios que falam o contrário”, explica Moreira. Ela cita como fonte o “Consenso da Associação Brasileira de Nutrologia e da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição sobre o consumo de leite de vaca pelo ser humano”, produzido para responder questões sobre o leite. A partir da revisão de estudos científicos sobre o tema, o documento conclui que não existem até o momento evidências de que a bebida ou seus derivados sejam alimentos “inflamatórios”.

A doutora em biociência e biotecnologia Laura Marise de Freitas concorda. “Com todas as informações que temos hoje não é certo dizer que o leite é inflamatório de forma geral e não existe absolutamente nenhuma justificativa baseada em evidências para recomendar que as pessoas deixem de consumir leite”, afirma em vídeo publicado no canal Nunca vi 1 cientista, dedicado a combater a desinformação no campo científico.

De acordo com de Freitas, as evidências científicas mais recentes sobre o assunto mostram que o leite é inflamatório apenas em duas situações: em quem tem alergia à bebida e em quem tem intolerância à lactose.

“Para as pessoas com intolerância à lactose, existem leites deslactosados. Para consumidores com digestão incompleta da proteína, existe o leite A2″, recomenda a Abraleite em nota enviada ao Verifica. “No entanto, crianças que apresentem APLV, alergia à proteína do leite de vaca, recomendamos que procure o pediatra ou profissional da área de saúde, antes de tomar leite de vaca”, orienta a nota.

Leite de caixinha tem conservantes?

Não, de acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), responsável por regulamentar a produção do leite de caixinha, também conhecido como leite UHT (Ultra High Temperature). “O conservante é proibido no Leite UHT, conforme a legislação brasileira, além de ser desnecessário para esse produto”, afirma a nota enviada por e-mail ao Verifica.

O Mapa explica que admite-se a utilização de alguns estabilizantes, na quantidade máxima de 0,1%, para que o produto, principalmente suas proteínas, suporte as elevadas temperaturas a que é submetido durante o processo de eliminação de microrganismos do leite cru. “Entretanto, esse aditivo não tem função de conservante”, destaca.

A Anvisa confirma a informação do Mapa: “não é permitido o uso de aditivos com a função de conservantes nesse tipo de alimento. Apenas aditivos estabilizantes estão permitidos, nas condições descritas na Instrução Normativa 211/2023″.

A validade maior do leite de caixinha se comparado com os demais ocorre porque ele é submetido a ultra alta temperatura (UAT ou UHT em inglês), que varia de 130º C a 150º C. O processo dura 2 a 4 segundos; imediatamente, o leite é resfriado a uma temperatura inferior a 32°C. Isso elimina todos os microrganismos inclusive os que podem acarretar doenças como brucelose, tuberculose, salmonelose e listeriose. Aliado a um envase asséptico, o procedimento permite a estocagem do produto por meses à temperatura ambiente.

Verifica entrou em contato com o médico Dayan Siebra, que faz os comentários no conteúdo investigado aqui, mas ainda não teve retorno.

Outros boatos envolvendo o leite circularam nas redes sociais. O Verifica mostrou que é falso que leite de caixinha receba substâncias tóxicas como soda cáustica, água oxigenada e formol para se manter conservado na embalagem e mostrou que era enganoso vídeo que relacionava o consumo de leite à incidência de câncer.

Por: Talita Burbulhan – ESTADÃO